terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

O Risco de um Governo Policial?(*)

Jacqueline Muniz.
Tenho um grande amigo que gosta de dizer que no campo da segurança pública os governantes irão pagar por seus erros aqui mesmo, na Terra, e no dia seguinte.
Sem diretrizes políticas claras e públicas sobre o que, como e quando um policial está autorizado a agir, a usar de força, sobretudo da força letal, assistimos governantes entregarem sua virtude de decidir à má sorte das circunstâncias, tornando-se refém da imprevisibilidade dos desfechos de cada ação policial. Toda noite haverá um demônio em cada esquina, alimentado pela farsa da “moral de macho”, pelos “dedos nervosos” que atendem aos clamores por uma “guerra contra o crime”, pela busca do Santo Graal. E nós cidadãos, eleitores, pagamos também aqui pelos erros de nossos eleitos. Não exigimos de nossos políticos uma política de segurança pública cujas regras do jogo sejam por nós conhecidas e autorizadas, de modo que saibamos o que esperar da polícia a cada situação em que ela é chamada a atuar. Livres de temores e medos. Quanto menos políticas definidas um governante tem, mais se arrisca a ser iludido e conduzido por seus subordinados, mais todos mentem para ele, mais o negam, mais o crucificam. Uma vez que o capital do governo, na figura do governante, vai sendo gasto justificando os equívocos e as incapacidades, mais ele se afasta de sua base de sustentação, nós, os eleitores, e ao mesmo tempo fica sob controle de seus conselheiros e profetas. Esta é uma fábula política antiga. Seus resultados e conseqüências, inevitavelmente dramáticos, são velhos conhecidos das lições tiradas da história sobre como governar organizações de força em democracias, contendo a tendência de autonomização do poder de polícia e sua perversão em “poder da polícia”, ou do policial. A reestruturação por que passou o FBI, as recentes reformas na Polícia de Nova Iorque e de Chicago servem como exemplos críticos sobre como recuperar as rédeas, sobre como retomar o governo, sobre as polícias. Temos a ilusão de que um governante controla as polícias quando ele parece falar a sua língua. Acreditamos que está fazendo mais do que os outros, exercendo autoridade para valer, quando faz uso de falas operacionais. Daí o confronto proposto como condição, contexto, instrumento e finalidade que vai comprometendo a possibilidade real de sustentação de uma repressão qualificada, legal e legitima. Quem ganha se o governante - comandante supremo das polícias – é aconselhado a subordinar a política ao que seja a técnica do momento dos seus comandados? A rebaixar a decisão de governo ao império do chamado “tático-operacional”? A tal ponto que reproduz as mesmas justificativas, as mesmas explicações, os mesmos jargões que estamos cansados de ouvir? Sabemos quem perde: os que estamos nas ruas, no ir e vir diário, simples mortais. Aqueles policiais que fazem por merecer o seu mandato público e sabem que polícia não se improvisa ou se nivela por baixo aceitando as regras do jogo definidas pela bandidagem. O próprio governante. Algemado, vai o governante sendo conduzido à sua cruz, à armadilha em que outros governantes caíram: um governo policial, identificado e identificando-se alienadamente com todas as máximas policialescas sobre segurança pública. E ele, governante, agora mais um combatente-policial, olha com suspeita as ruas, como tomada por bandidos e elementos perigosos. E nós, os cidadãos, olhamos as ruas cheias de policiais em que não confiamos e de quem temos medo. Todos inseguros diante do policial inseguro em sua ação e de um governo inseguro diante de qualquer atividade policial ou ocorrência envolvendo policiais. Polícia e exército são expressões concretas de governo sobre território, razão pela qual devem ser comandadas por civis com políticas públicas, para que não se tenham emancipações predatórias, governos paralelos, policiais, nascidos de dentro do próprio governo, como nos ensina a velha história de construção do Estado de Direito. A polícia justifica e faz por merecer nosso mandato naquelas situações em que o emprego da força pode vir a ser necessário. É aí que esperamos, sob o governo do governante, que ela faça uso da força previsível, oportuna, apropriada e suficiente, distinta dos empregos improvisados, ilegais e ineficazes da violência infernal que nos atinge nas ruas. (*) Publicado em 10/02/2009, Blog:http://www.oglobo.com.br//rio/ancelmo/reporterdecrime/post.asp?cod_post=160193